quinta-feira, 7 de maio de 2020

Puro sarcasmo


O sarcasmo salva! O sarcasmo tem poder! Enquanto houver algum princípio de racionalidade na discussão, evidentemente. Como forma de ironia, é preciso que se haja certo grau de inteligência no ouvinte para que ela seja compreendida e possa vir a surtir algum efeito cognitivo nele. Jumento não abstrai ironias, e isso ninguém pode negar.

Egologia consiste na manipulação de ideias para se apresentar como correto, aquilo que se deseja de antemão. O pensamento egológico visa apenas encontrar meios para justificar o desejo de quem o articula. Estabelecimento da vontade, mesmo quando em desconformidade com os princípios da verdade. Falácias e sofismas em função da egolatria oportunista, passíveis, entretanto, de serem desarticuladas, no devido processo dialético do debate público civilizado.

Nesse contexto, o humor se torna uma arma discursiva poderosa! Esculhambar o rei é exercer poder sobre a sua imagem e esmorecer sua autoridade simbólica. Sobretudo simbólica. Quando a espada impera sobre a lei, a pena perde força, mesmo imbuída de razão. Muitos humoristas já pagaram caro por seu ativismo sarcástico. Porém, em sociedades sadias, com seu estado de direito bem garantido, o humor encontra seu nicho social bem respeitado, e até reverenciado.

O humor, o escárnio e a zombaria sempre exerceram um papel importante no debate social brasileiro. Em tempos de redes sociais, os memes e virais se destacam nesse sentido. Contudo, já em 1822, um dos primeiros periódicos do país, O Maribondo, mostrava na gravura de seu cabeçalho, a imagem de um corcunda ao lado de uma árvore, sendo atacado por um enxame de maribondos. Referência jocosa à situação política do país no momento. Os maribondos representavam os brasileiros, agindo em defesa de seus interesses contra as intenções coloniais de Portugal e de seus partidários, simbolizados pela figura do corcunda.

Denominar é dominar, e quando se domina, exerce-se poder sobre. Cognominar oponentes políticos de forma desdenhosa e debochada é uma maneira de tentar reduzi-los ao ridículo. Petralha, coxinha, bolsominion... São rótulos que encerram conjuntos de valores e atributos a que se quer opor e repudiar. Simplificação de uma conjuntura complexa, na delimitação de um alvo fácil de enxergar e ojerizar. Como acontece no futebol, provocações são consideradas práticas naturais do pleito, embora não sejam vistas como algo de bom-tom. O importante, no entanto, é garantir que o jogo se desenvolva de acordo com as regras preestabelecidas.

Discussão política não é discussão filosófica. Decisões políticas exercem efeito direto e prático na vida em sociedade, o que pode vir a beneficiar determinados grupos sociais em detrimentos de outros. E é nesse jogo de interesses que a ordem democrática tenta se equilibrar. “Farinha pouca, meu pirão primeiro”, é o que muitos já estão quase gritando abertamente. Os egoístas e individualistas se erguem da nata do chorume, orgulhosos de sua casta social. Pregam contra as regras democráticas, e buscam impor suas vontades mesquinhas menosprezando os demais. Ainda é tempo de escarnecer e tripudiar deles, mas eles estão forçando o limite de qualquer civilidade. Não querem apenas ganhar a partida, querem acabar com qualquer possibilidade de jogo que não se submeta aos seus termos, tomando o campo e a bola para si. Devem ser penalizados severamente.

O momento atual do Brasil é delicado. Calhordas demagogos atiçaram demais as bestas-feras, alimentadas com mentiras e prepotências. Soltaram a boçalidade irascível na sociedade, propagando e praticando violência. Daqui a pouco, se as coisas continuarem assim; dizer que abater bolsominion é um ato de legítima defesa não será mais uma simples ironia.

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