domingo, 12 de novembro de 2017

O tiraninho do bem


Charlezinho não era uma má pessoa. Era um bom menino, um tanto mimado, embora nada além do que era natural em seu meio social, de classe média alta. Estudou em boas escolas particulares, sempre tratou bem os empregados da família, nunca ligou muito para questões de política. Como a maioria dos jovens de sua idade, estava mais preocupado com suas pontuações nos jogos onlines e em ser notado pelos seus pares, em especial, pelas garotas de sua rede de contatos.

Em 2013 algo havia mudado, de repente era cool ter e expressar opiniões políticas nas redes sociais. Ele não tinha muitas, mas percebeu que bastava falar mal de políticos e criticar a corrupção do PT. Ele estava na onda. Ele participou de uma manifestação contra o aumento de 20 centavos nas tarifas dos transportes públicos. Ele não pegava ônibus, mas não era apenas pelos 20 centavos. Ia ter muita gente bacana lá e ele podia conhecer alguém legal. Foi com dois amigos. Em dado momento, um dos amigos pisou de mau jeito no meio fio da calçada, machucou o pé, nada grave, mas eles resolveram que era melhor voltar para casa, de táxi.

Em 2014, exaltação! Ia votar pela primeira vez e ostentava com orgulho o número de seu candidato, “contra tudo que está aí!” Gritava empolgado. E xingava muito no Twitter e no facebook. Bloqueou muita gente que antes ele achava ser do bem, mas que agora se alinhavam com as forças do mal. E ele não entendia o porquê dessas pessoas não enxergarem a verdade como ele finalmente enxergava. O mal era o PT e esse partido precisava ser erradicado da face da Terra!

Seu candidato perdeu a eleição e ele se revoltou; não se conformou. Não estava acostumado a ser contrariado. Ele não podia aceitar que uma presidente anta como aquela, eleita por uma maioria burra, destruísse seu amado país. Gritava feito louco nas redes sociais e acompanhava a opinião de todos os colunistas que sabiam a verdade, e diziam aquilo que ele queria ouvir. A ideia agora era defender o impeachment da “presidanta” a todo custo, para salvar o Brasil da corrupção e não pagar o pato.

Veio o impeachment... Vieram as gravações da Lava-Jato. Político é tudo igual, não tenho culpa. Eu sou um cidadão do bem. Hoje, procura espantalhos nas redes sociais para temer e atacar. Mede a sociedade usando sua vida como parâmetro de medida. Se sua vida é tão boa, por que todo mundo não age e se comporta como ele? Talvez uma ditadura do bem faça todo mundo andar na linha e deixem as coisas em ordem, afinal, se todo mundo for certinho, tudo fica certinho, né? 

domingo, 5 de novembro de 2017

Conservaria



É simples. Se o mundo fosse um lugar bom, justo e igualitário, eu também seria conservador, pois iria querer conservá-lo assim, bom, justo e igualitário. Porém, o mundo não é. O mundo é ruim, injusto e intolerante, e isso me incomoda. Logo, quem se esforça para conservar o mundo assim, só pode ser condescendente com ele e contemporizar com tal situação. Geralmente quem o faz, o faz por se encontrar numa posição segura e privilegiada dentro do sistema, estando confortável em seu padrão de vida, ao qual não quer perder ou ver mudar. Dessa maneira, age mais preocupado com o seu próprio bem-estar do que com o bem-estar geral da sociedade. Segue princípios egoístas e menospreza os degradados pelo sistema, portanto, não pode ser considerada uma boa pessoa da qual se valha a pena ouvir a opinião, pois seu discurso sempre será pensado para si, e não para os outros.

Existe um princípio de falácia que percebo ser recorrente em textos de pseudointelectuais e gurus de araque das redes sociais, que consiste em misturar a lógica semântica com a lógica de pensamento. Sofismas, em que se jogando com palavras, levam os textos e o pensamento do autor a parecerem mais contundentes do que de fato são. Ojerizo isso, mas o texto acima é um exemplo.

As palavras e a língua seguem a uma lógica própria, muitas vezes confusa, que não, necessariamente, obedecem à lógica do pensamento racional cartesiano. Uma palavra pode abarcar amplos sentidos em seu significado, o que pode gerar ambiguidade no entendimento entre os interlocutores. Qualidade muito apreciada pelos poetas, mas que deve ser dirimida no debate filosófico.

Quando relaciono a palavra “conservador” com a simples ideia de se conservar, no caso, este mundo purulento cheio de problemas no qual vivemos, estou fazendo um arranjo com as palavras (não totalmente injustificado) em que reduzo toda uma gama de pensamentos e individualidades num único balaio generalizante, e taxo a tudo como algo vil e desprezível que deve ser repudiado. O que não é verdade, pois nessa gama conceitual existem muitas pessoas de boa índole, inteligentes e ponderadas, que desejam o bem do próximo e o progresso geral da humanidade, embora no chafurdar das redes sociais, os imbecis acéfalos, ressentidos e odientos acabem se sobressaindo no conjunto. Aliás, como também acontece no conglomerado de gente da dita esquerda, que acabam sendo reduzidas no mesmo balaio pelos picaretas da direita.

Esse reducionismo binário da complexa problemática da sociedade contemporânea, nas sábias palavras do mestre Bodedharma, é uma merda do caralho.



O termo conservador com conotações políticas surgiu na França no começo do século XIX, por conta do movimento de restauração dos valores sociais que haviam sido depredados pela Revolução Francesa. Desde então o termo engloba pensamentos diversos, com características específicas de seu dado momento histórico e regional, mas, em suma, consiste no esforço político de muitos indivíduos pela manutenção da configuração social vigente, na qual eles estejam convenientemente assentados e bem acomodados. Se, por exemplo, os interesses dos conservadores do passado tivessem prevalecido, a escravidão no Brasil nunca teria sido abolida. Afinal, “se está bom para mim, que não sou escravo, para que mudar, né?”.

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Agora, um fato histórico: quando o primeiro homem resolveu limpar a bunda depois de cagar, os conservadores de então entraram em polvorosa. “O quê?! Como assim?! Que absurdo! Um homem de bem passando a mão na própria bunda?!”. Ainda bem que o progresso prevalece.