quinta-feira, 30 de abril de 2020

Um dualismo de referencial egotista

Uma breve reflexão egológica acerca da egolatria


Talvez pudéssemos dividir o conjunto das pessoas no mundo entre as predominantemente ególatras e as não-ególatras. De maneira bem simplista e reducionista, as ególatras seriam aquelas pessoas que vivem prioritariamente em função de si e para si, enquanto as não-ególatras seriam aquelas que se mostram mais abnegadas de si em razão de outros.
 
Em seus polos extremos podemos imaginar a oposição entre egoísmo e altruísmo como expressões máximas do querer tudo do mundo para si, e do dar tudo de si pelo mundo. Porém, entre um polo e outro, existe uma variada gama na gradação desses valores, e diferentes formas delas se manifestarem. Além de também se apresentarem de maneira relativa e pontual em dadas circunstâncias.

O egocentrismo, a egomania, o narcisismo, a sofomania, a jactância, a intolerância etc., são manifestações do comportamento humano com qualidades e particularidades distintas, mas que poderiam ser compreendidas como fenômenos derivativos do princípio da egolatria.

Nem todo sujeito egocêntrico, fatalmente será também alguém sofomaníaco, por exemplo, pois esses fenômenos compreendem dois conjuntos de qualidades distintos. Porém, ambos se originariam na predisposição do indivíduo ao princípio da egolatria, que, por sua vez, serviria de base para diferentes tipos de manifestações egoicas.


Por razões parecidas, não podemos afirmar que todo não-ególatra seja alguém altruísta por definição, se entendermos o altruísmo como uma busca deliberada para se fazer o bem ao próximo. Às vezes, o indivíduo é apenas alguém desinteressado, humilde, ou simplesmente bondoso, predisposto sim, a práticas altruístas, mas sem ser, necessariamente, um filantropo contumaz.

Só que eu não faço a mínima ideia de como relacionar esses possíveis graus de tendência ao altruísmo. Talvez fosse algo a se determinar numa pesquisa mais séria e aprofundada sobre o tema, procurando-se delimitar a lógica e a semântica desses termos e conceitos. Coisa que talvez até já exista em algum estudo do campo da sociologia ou da psicologia. Sei lá.

Aproveitando para chamar a atenção de que este texto se trata apenas de uma reflexão pessoal minha, aliás, como todos os outros aqui de meu blog. Não é uma pesquisa com rigor acadêmico. São ensaios livres, assumidamente egocentrados, escritos com o singelo, porém pretensioso intuito de me aliviar de meus maus humores.


Também, lembrando que criei este blog lá em 2007, justamente, para poder exorcizar algumas ideias de minha cabeça e expressar algumas opiniões político-sociais, ou seja, bem antes disso virar modinha e infestar as redes sociais, ok? Como eu gostava de fazer charges, eu acompanhava muito aos noticiários, e realmente acreditava que o mundo seria um lugar melhor se eu opinasse sobre ele. Enfim, presunção também é uma manifestação de egolatria.

E é nesse sentido que me vejo impelido a refletir e escrever sobre o tema no momento, pois está cada vez mais claro perceber o quanto a egolatria generalizada, o narcisismo exacerbado, e a propensão brasileira ao personalismo nas discussões políticas, há muito, estão afastando a inteligência e a racionalidade pragmática do debate público, fragilizando as instituições a um nível perigoso.

Uma vez que se encerra qualquer possibilidade de condescendência em disputas de ordem política, entre oposições ferrenhas e com os ânimos acirrados, a tendência natural é que o imbróglio se desenrole para atos de hostilidades e violência, caso não seja interrompida por alguma força maior, ou ato externo.

Nesse sentido, o Brasil vive um momento delicado, após sofrer certa erosão nos pilares de seus valores democráticos e humanísticos. Os canalhas e apedeutas perderam a noção e o pudor. Pregam orgulhosamente todo tipo de sandice e oportunismo, muitas vezes, sem qualquer ponderação ou compromisso com a ética. Principalmente na internet.


As desinformações alienadas e oportunistas se disseminam pelas redes sociais por meio de sofismas abjetos, falácias torpes e bravatas vis, além de mentiras, pura e simplesmente, como um contágio pernicioso corrompendo a tessitura social, e distorcendo a Verdade na manipulação da realidade dos fatos, ao bel-prazer da conveniência egoísta.
 
Vejo a egolatria no âmago dos males, a raiz por trás de todo mau comportamento humano que promove iniquidades à humanidade. No entanto, por si só, ela não compreende algo intrinsecamente ruim ou perverso. Afinal, o que seria das Artes e do próprio progresso da humanidade sem seus grandes ególatras geniais?

A egolatria também pode funcionar como uma força motriz criativa e poderosa, base para a ambição, gana e força de vontade. Egolatria e caráter são elementos distintos, embora intimamente ligados. Um ególatra pode perfeitamente ter um bom caráter e não ser alguém socialmente tóxico.

Muitos são generosos, caridosos, agradáveis, engraçados e socialmente bem-vistos pelos outros. Ter-se a si mesmo em estima superelevada não significa, obrigatoriamente, ser alguém indiferente à existência do próximo e de suas necessidades.

Inclusive, muitos atos de caridade que se apresentam como grandes gestos de altruísmo, podem se constituir apenas de expressões disfarçadas de uma egolatria benquista. Visto que sua razão essencial pode estar sendo motivada por uma busca interna de satisfação egoica pelo que o retorno do ato possa vir a proporcionar. Muitas vezes, é justo supor, feito isso de maneira inconsciente.

Podemos então entender que manter um comportamento altruísta não significa, necessariamente, conter uma natureza altruísta. A delimitação da egolatria como característica de personalidade estaria mais relacionada à observação de um determinado recorte na motivação interna do indivíduo, algo difícil para um leigo medir e constatar. Mas que certamente a psiquiatria deve saber como fazer.


Assim sendo, não acho que seja possível, ou até mesmo válido, qualquer iniciativa de se sair por aí apontando e rotulando os outros. Não dá para se avaliar facilmente as motivações internas das pessoas, no entanto, dá para perceber e analisar o comportamento que elas apresentam, e, desse jeito, nos orientarmos de como queremos, ou devemos nos relacionar com elas.

 “Se é ególatra não sei, mas que me parece ególatra...” Ou, como Raul Seixas já cantou:

...
Que o mel é doce
É coisa que eu

Me nego afirmar
Mas que parece doce
Isso eu afirmo plenamente!


Complementando


Acredito que muito mais poderia ser dito, desdito, ou contradito, a respeito da egolatria e das qualidades fenomênicas correlacionadas a ela.

Talvez exista algum modelo de estudo mais apropriado, que delimite melhor esse possível princípio que serve de base para os diferentes fenômenos egoísticos manifestados pela personalidade humana, no entanto, considero o vocábulo “egolatria” muito pertinente.
 
Egolatria significa nutrir um sentimento exagerado por si mesmo, superestimando seu próprio valor pessoal e relevância de seus feitos, e só. Em princípio, não designa alguém impreterivelmente tacanho, medíocre ou picareta. Talvez um pouco alienado quanto à realidade sobre si, mas ainda assim, podendo ser considerando como alguém idôneo e de boa-fé.


É possível querer e desejar o melhor para si, sem perder a empatia pelo próximo. Sem desrespeitar seus anseios existenciais, e sem querer prejudicá-lo, colocando-se acima dele de maneira mesquinha, como faz um legítimo egoísta.

Essencialmente, o egoísmo é querer o máximo para si, sem se importar com os sentimentos dos outros. O egoísta só age visando alguma vantagem pessoal, ou em função de seus próprios interesses e objetivos, desconsiderando a vontade de seu semelhante.

Dessa forma, poderíamos então afirmar que seria possível alguém ser ególatra sem ser um egoísta, mas que não seria possível alguém ser egoísta sem também ser um ególatra, em certa medida.

O mesmo se equivaleria ao egocentrismo, por exemplo, e para todas as outras expressões egoísticas relacionadas à personalidade e comportamento humano.

O uso do termo “não-ególatra” serve apenas para fazer uma contraposição direta à palavra “ególatra”. Compreendo que o melhor oposto para o conceito da egolatria estaria no sentido da humildade, ou da modéstia, a ver. Ou seja, na capacidade do indivíduo em reconhecer seu verdadeiro grau de importância social e suas limitações pessoais.

Porém, ambas as terminologias trazem consigo um significado semântico ampliado pelo uso do costume, e considero essa abrangência de acepções geradora de ambiguidades prejudiciais para leitura e apreensão do sentido pretendido.

Vejo o termo “não-ególatra” apenas como uma constatação natural de que, certamente, exista muita gente por aí que não apresente qualidades de natureza ególatra. Embora, muitas vezes eu tenha a sensação de que todo mundo manifeste a egolatria em algum grau, ou em determinados momentos da vida.

Não quero atribuir juízos de valor bom ou ruim entre uma coisa e outra. Esse dualismo proposto serve apenas para ajudar na explanação e reflexão sobre o tema. Já que somos animais gregários vivendo em uma sociedade complexa, acho interessante refletir sobre esses princípios que movem nossa conduta no âmbito dos relacionamentos sociais.


Particularmente, desde que me atentei mais dedicadamente a essa questão, tenho conseguido detectar com mais propriedade determinados gestos e comportamentos nas pessoas, e em mim também, que denotam qualidades que não me agradam e procuro evitar.

Depois que se aprende a detectar a egolatria no “brilho” do olhar das pessoas, fica mais fácil avaliar o grau de proximidade que devemos manter com as mesmas para evitar desgastes emocionais desnecessários.

Triste é quando percebemos esse brilho no olhar de autoridades e governantes, e não conseguimos fazer nada a respeito para dirimir seus efeitos sobre os valores da sociedade.






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