segunda-feira, 27 de abril de 2020

Orcs de internet



Os trolls1 de internet já são criaturas conhecidas e bem catalogadas no inventário cultural da web. Basicamente, são pessoas perniciosas que transitam pelas redes sociais atazanando os usuários incautos que caem em seus ardis.

Buscam desarmonizar debates potencialmente sadios com argumentações torpes, polêmicas, agressivas ou simplesmente ridículas, cujo único objetivo é o de desestabilizar emocionalmente o interlocutor e levá-lo a perder a razão. Tudo para a satisfação egoísta do troll, em seu desejo prepotente de autoafirmação. 

Existem variados tipos de trolls e diferentes táticas usadas por eles para enredar e azucrinar suas presas, porém, os propósitos são essencialmente os mesmos, exaurir a racionalidade proveitosa nas discussões em que eles se manifestam.

Em geral, não defendem a uma causa ou a uma bandeira em específico, e agem mais pela geração de caos pelo caos. Muitos, apenas por estarem entediados ou frustrados com suas vidas, além de também apresentarem falhas graves no filtro moral que gera empatia pelos outros. No fundo, são uns ególatras aborrecidos com traços de sadismo e psicopatia.

Outra criatura, no entanto, parece ser menos reconhecida no tratamento das comunicações internéticas: o orc2 de internet. Primos dos trolls, parecidos em muitos aspectos, a ponto de serem confundidos. Diferencem-se, porém, por suas motivações.

Enquanto os trolls parecem agir mais livremente, desatado de causas ou ideologias, os orcs de internet, por outro lado, não. Estão arraigados a crenças pessoais e levam suas ideias a sério. Ostentam estandartes e buscam impor suas verdades aos outros. Podendo essas verdades ser de origem religiosa, cultural, ideológica, política, ou, até mesmo, meras expressões da vaidade pessoal da criatura, visto que tendem a ser narcisistas e pernósticos por natureza.

São menos inteligentes do que os trolls, porém, sabem se organizar melhor em bando, o que os tornam muito perigosos para a harmonia social da vida em comunidade, visto que suas esferas de atuação conseguem ultrapassar os meios digitais de comunicação e também se expressar no espaço público do mundo real, através de manifestações sociais com viés de intransigência, o que vem a por em xeque certos valores da ordem democrática.

Os orcs de internet são cidadãos com pensamentos enviesados e egos inflamados, avessos a autocríticas, e que se portam como virtuoses tacanhos de sua moralidade. Combativos, estão sempre em constante vigília contra os aborrecimentos acometidos.


Não buscam debater com o contraditório, buscam abatê-lo. Não querem conviver entre os culturalmente divergentes, querem se sobrepor a eles. São egomaníacos e intransigentes, que se unem em bando apenas para poderem se sentir reforçados na reafirmação coletiva do grupo, em ataques sujos e detrações a seus opositores.

Seres dantescos, cuja única proposição consiste na negação do divergente. São danosos para o progresso e bem-estar da sociedade, proliferando como nunca pelas redes sociais, como hordas selvagens investindo contra a civilização. Estão por todos os lugares e podem vir a ser qualquer um, hoje em dia, inclusive, um membro querido da família.


1. Considero interessante que o termo venha da expressão em língua inglesa, “trolling for suckers”, que poderia ser traduzida como algo do tipo: “lançando isca para trouxas”, pois descreve bem a essência da tática de “caça” dessas criaturas, cujo nome também remete aos monstros do folclore nórdico, muito apropriadamente.

2. Referência, espero que óbvia, às criaturas da obra de J. R. R. Tolkien.

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