No excelente livro Criatividade S.A., Ed Catmull, presidente
da Pixar e Walt Disney Animation Studios, conta um pouco sobre a trajetória de
sua vida profissional, o surgimento da Pixar, e as dificuldades enfrentadas
pela empresa na busca de sua consolidação. Ele apresenta o desenvolvimento de
seu modelo mental de gestão, apontando as lições que ele adquiriu ao longo de
sua vivência e experiência.
Há uma passagem interessante sobre sua experiência na Lucasfilms,
produtora de George Lucas, em que, liderando a equipe de computação gráfica, ele
havia desenvolvido um programa para a edição de filmes no computador; era meados dos anos 80. No dia do teste, porém, nenhum editor da produtora quis
participar. Eles não queriam saber de tal programa.
A percepção de Ed Catmull sobre aquilo foi a de que os
editores, plenamente satisfeitos com o processo ao qual já dominavam, não
queriam saber de mudanças que abalassem sua zona de conforto. Um dos maiores
empecilhos para o progresso da tecnologia seria, portanto, a resistência e o desinteresse
daqueles que não queriam que ela progredisse.
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De fato, a tecnologia muitas vezes parece avançar num ritmo
mais acelerado do que o intelecto, ou vontade, da grande massa humana é capaz de assimilar, ou aceitar. O ser humano gosta de conforto, e manter o domínio
pacífico sobre algo relevante que lhe seja proveitoso é confortável. Mudanças
bruscas tendem a gerar momentos de estranhezas à percepção humana, podendo essa
experiência ser positiva e estimulante para alguns, mas desconfortável para
outros, creio eu, que para a maioria das pessoas. Se o novo não surge para
suprir uma necessidade real e patente das pessoas, ele precisa vir se instalando
aos poucos, à medida que cativa o interesse e o desejo alheio, muitas vezes, com
o marketing anunciando e divulgando sua presença. Se o novo for bom na
proporção de vantagens e confortos, acaba se consolidando naturalmente.
Os primeiros impressos produzidos por Gutenberg buscavam se
assemelhar aos manuscritos feitos naquela época, não por questão de praticidade
técnica ou capacidade tecnológica, mas sim, por conformação mercadológica. Os manuscritos
já eram um produto culturalmente estabelecido, e seu valor era alto, em todos
os sentidos. Era um objeto para poucos e que dava status a quem os possuía.
Certamente, o desenvolvimento de um processo mecânico para reprodução de
páginas era uma busca que interessava muito mais aos “editores” do que aos
consumidores. Estes, em princípio, estavam satisfeitos. Mudanças bruscas demais
nas características dos livros poderiam causar estranhamentos e afetar
negativamente o interesse dos consumidores pelo produto. À medida que a
tipografia foi se desenvolvendo, as vantagens técnicas possibilitadas pelo novo
processo começaram a se sobressair e se firmar no mercado, estabelecendo um
novo paradigma cultural sobre o entendimento do livro como objeto.
E o progresso tecnológico continuou seguindo... Atualmente, na maioria dos livros digitais existe uma função que emula o passar das páginas, não por que essa seja uma necessidade tecnológica...
E o progresso tecnológico continuou seguindo... Atualmente, na maioria dos livros digitais existe uma função que emula o passar das páginas, não por que essa seja uma necessidade tecnológica...
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Outro exemplo, o teclado do computador, cuja disposição das
teclas segue a mesma das máquinas de escrever desde o século XIX. Embora
existam alguns diferentes padrões no mercado, o QWERTY, patenteado por
Christopher Sholes em 1868, praticamente, é o universal para o alfabeto latino.
Segundo se diz, embora haja quem conteste, tal disposição de teclas nesse
formato de teclado teve por finalidade evitar que os martelos das máquinas de
escrever se enganchassem ao se digitar muito rapidamente. Ora, num aparelho
mecânico como a máquina de escrever, isso faz todo o sentido, mas em um
computador onde tal problema não existe, não. No entanto, continuamos a usar
esse formato de teclado totalmente contraintuitivo.
Na internet há textos que discorrem mais a fundo sobre o tema, no geral, apontam como razão, uma conformada convenção mercadológica imposta pelas principais fabricantes de máquinas de escrever ainda no século XIX. Aproveito para lembrar que não sou nenhum especialista no assunto, tá? Sou apenas um “especulista”.
Na internet há textos que discorrem mais a fundo sobre o tema, no geral, apontam como razão, uma conformada convenção mercadológica imposta pelas principais fabricantes de máquinas de escrever ainda no século XIX. Aproveito para lembrar que não sou nenhum especialista no assunto, tá? Sou apenas um “especulista”.
Nunca digitei num teclado diferente do QWERTY, mas imagino
que seja uma experiência esquisita e desconfortável a princípio, porém, se por
qualquer motivo eu fosse obrigado a utilizar um desses outros formatos, gosto
de pensar que eu seria capaz de assimilar a nova lógica com o devido tempo de uso.
Apesar do processo de adaptação ser desconfortável, estar bem adaptado às novas
realidades situacionais gera conforto. Contudo, ufa, ainda bem que não sou
obrigado.
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Lembro que em 1998 eu estagiava numa repartição pública em
Salvador. Lá, havia uma secretária que datilografava numa grande máquina de
escrever eletrônica, a melhor do mercado até então, lembro-me dela se gabando.
O teclado era extremamente sensível; e certa vez, por curiosidade pedi para
digitar na máquina. Um leve toque na tecla; e a letra partia em disparada,
repetidas vezes na folha. Depois de um breve ajuste mental-corporal, ok,
consegui me sintonizar com a máquina. A secretária, por sua vez, parecia ter
desenvolvido uma simbiose mágica com o aparelho, à la as criaturas do filme Avatar. E eu achava incrível observar a desenvoltura com que ela digitava.
Era exímia, rápida e desprendida. Devia ser algo comum
daquele meio profissional, mas como eu não fazia parte daquele meio, para mim,
era algo fenomenal. Ela digitava sem parar enquanto conversava e interagia com outras
pessoas ao redor. Tirava sarro ou trocava provocações com os colegas, sempre
digitando, quase sem olhar para folha, muito menos para o teclado. Digitava com
uma mão, enquanto, gesticulando com a outra, se virava para trás na cadeira ao tratar de algum assunto, qualquer que fosse, com alguém. Já cheguei a vê-la digitando enquanto
falava acaloradamente ao telefone. Para mim, ela era a Bruce Lee da máquina de
escrever.
No ano seguinte tiraram a máquina de escrever da repartição e
colocaram um computador. Windows 98, com um negócio chamado mouse... Meu Deus,
pense em alguém sofrendo, era essa mulher diante do computador tentando mexer
nele. Desanimada, triste, ficava repetindo baixinho: “não é a mesma coisa, não
é a mesma coisa”...
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